quinta-feira, 19 de novembro de 2015

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PRECE dá adeus a Orismar

Há 21 anos, moradores de comunidades rurais de Pentecoste se uniram na construção de uma história coletiva. Sete estudantes e o professor universitário Manoel Andrade são cantados como os primeiros precistas. Construiu-se não um grupo, mas uma família. Os vínculos se sustentam em uma base fraterna e a objetividade cede espaço à subjetividade dos afetos. Orismar Barroso, um dos sete primeiros estudantes, há seis meses combatia um câncer de estômago. Domingo (15), a sua presença tornou-se uma lembrança.

Orismar com a sua escudeira de todos os dias
Demonstrações de carinho povoaram as Redes Sociais. “No PRECE, foi dentre nós o que mais nos conheceu, foram muitas histórias de vidas gravadas por ele no Memorial do PRECE, mas talvez, tenha sido a história de vida dele a que mais nos impactou”, escreveu o Professor Tony Ramos. Como um bom contador de histórias, Orismar preocupava-se com a memória do PRECE, acreditava que as vivências deviam ser compartilhadas para possibilitarem novas experiências. Integrante da equipe do Memorial do PRECE, em 2011, participou da coleta de mais de uma centena de histórias de vida. Gravou em vídeos as histórias que ouviu, mas também contou a sua.

Orismar era o locutor oficial da Estudantina
“As coisas boas parecem que a gente recebe e ficam na mente da gente”. Disse ao retirar da memória, pelas orelhas, o menino que foi em Parnaíba, a comunidade rural que apresentava como “bucólica e agradável”.  Com as peraltices de infância a guiar sua narrativa, confessou:

[...] Menino levado, se fazia caçador. Criado solto pelos terreiros seguia às meninices reinantes. Munido com uma baladeira, unia-se ao bando de atiradores. Os passarinhos atingidos serviriam de alimento. “Quando eu acertava, eu tinha uma certa vontade de matar a arvorezinha (sic), a rolinha ou outro passarozinho(sic) lá típico da nossa região. E quando eu o matava, quando chegava lá e via o bichim todo cortado da pedra, me dava uma pena muito grande, então, eu logo... Eu parei com essa prática, parei mesmo, e não dá pra mim matar passarinho, eu tenho pena de matar os bichinho, não matava realmente... Matei alguns, mas isso me cortava o coração”. Orismar continua a correr atrás de passarinhos. Sem baladeiras em punho, persegue o canto e o desenho feito com o movimento das asas em voo. [...]*

Orismar se fazia de sonhos e os compartilhava com quem aceitasse imaginar um outro jeito de ser e de estar no mundo. “Lembro que quando trabalhávamos juntos, ele nunca deixava de ir no meu cantinho e me dar uma boa tarde com a sua caneca verde na mão! Não teve uma tarde que não fosse”, postou Jéssica Araújo, estudante da UFC. Cada frase publicada nas redes relembra um gesto distinto de gentileza e amizade. “Foram muitos momentos que vivi com o nosso querido Orismar, e rememorando alguns agora, percebi que sempre que ele estava por perto tudo era alegria, cooperação, descontração e muito trabalho em equipe. Sempre disposto a aprender e a ensinar.” Contou a jornalista Caroline Avendaño. Orismar compartilhava poesia, sua forma de ensinar era literária.  Suas palavras que fingiam-se de rebuscadas nos enchia de alegria e ressaltava a simplicidade e honestidade dos seus gestos.

Em 2014, em parceria com a UFC e a SEDUC, a UECE realizou atividades extensionistas sobre Aprendizagem Cooperativa. Como facilitador, Orismar compartilhou um pouco de si com os estudantes. Na terça-feira, após ver a movimentação nas redes, Mayamia Figueiredo, do curso de pedagogia, procurou a equipe do PRECE para compreender o que havia acontecido e demonstrar a sua consternação. “A história dele transformou a minha visão de mundo”, disse ao se despedir. A psicóloga Marília Studart, lembra que Orismar atraia-se pela generosidade, como um semeador fraterno. “Imagino que nesse mundo que divulga tantas más noticias, já tenha chegado o tempo de registrarmos as histórias de amor, bondade e esperança! Imagino que o céu deva estar cheio de gente que não teve oportunidade de contar suas histórias de bem, quem sabe Orismar não continue a gravar memórias celestiais que um dia assistiremos juntos no grande colo de Deus Pai! Registra tudo por aí, meu amigo, que um dia quero assistir!”, dialoga conosco e com ele.

“A sensação de perder alguém tão cedo é tão marcante em nossas vidas, só é confortada por sabermos que você, Orismar, foi um bom homem, um bom amigo, esposo e pai. Vamos ficar com saudades de todas as histórias e de todos os momentos partilhados, mas com a certeza de que fomos privilegiados por desfrutar de sua presença”, compartilha Aurenir Luz a traduzir, mesmo sem saber, o que todos sentimos.

Aniversário surpresa do Orismar, em 2013

*Trecho do Perfil elaborado pelo Memorial do PRECE sobre Orismar Barroso

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

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EPC Miguá recebe a exposição PRECE 20 anos

À direita, o matadouro municipal; à esquerda, uma estrada carroçal com destino a comunidades rurais, entre elas, Ferrão, Pedra Branca, Cacimbinha e Miguá Terra. Mesmo na boleia do pau-de-arara, o sol fadiga e a poeira sufoca. A paisagem é bonita, os vilarejos possuem ar nostálgico e, entre o amarronzado da paisagem, se depara, de repente, com um amarelado intenso de um pé de planta florido. No Ferrão, Seu Chico Avelino está de prontidão para receber as visitas, um sorriso e um conselho é dado de graça, “trate bem aos seus pais”. Mais à frente se chega à Miguá. No alto de um amontoado de barro está a escola municipal da comunidade, desativada há dois anos, abriga a Escola Popular Cooperativa (EPC) Miguá Terra.

Pôr do sol em Miguá
A exposição itinerante PRECE: 20 anos de protagonismo, cooperação e solidariedade chega ao fim, no mês de comemoração dos 21 anos do PRECE. A EPC Miguá Terra recebe a última montagem desta mostra. Criada em 2009, a escola popular conquistou sua vitória mais recente com o vestibular 2015.2 da Universidade Estadual do Ceará (UECE), a precista Aldenora Castro foi aprovada para o curso de geografia. A comunidade acolhe a exposição como parte da comemoração. Na noite de sábado (10), o prédio que costuma ficar escuro, se iluminou. Em frete a um lençol branco, algumas dezenas de moradores compartilharam o filme “O Preço do Amanhã,” abertura do projeto Cine Pipocando. “Esse negócio de filme não é para mim”, confessa Seu Aloízio que prefere ficar no pátio para prosear. “Amanhã venho para o café, liguei hoje para o compadre Zé Alfredo e ele disse que vai vir para comer do bolo que doei”, deixa avisado.

Cine Pipocando
Na manhã de domingo (11), quem chegava ao prédio se deparava com uma mesa farta, frutas, bolos e tapiocas de todos os jeitos. O café da manhã comunitário marcaria a abertura da última instalação da exposição PRECE 20 anos. Antes do café, houve a conversa. Reunidos em círculo, os moradores compartilharam as histórias vividas em torno do PRECE. Seu Aloízio contou sobre a ida do seu Compadre Zé Alfredo para estudar “lá no Arãozinho”, se refere a Cipó, onde vive a família do Seu Arão Andrade. Zé Alfredo, precista da EPC Boa Vista e engenheiro agrônomo, foi provar do bolo do compadre e contar as histórias vivenciadas com os estudantes da EPC Miguá. Mais duas EPCs enviaram representantes, de Cipó estava o Vanklane, precista também engenheiro agrônomo; de Pentecoste apareceu o Tony Ramos, professor da escola profissionalizante do município.

Café da manhã comunitário

Os pais da precista Maria Juliana moram atrás da escola municipal desativada. Moradora de Miguá, ela ouviu, em 2004, que havia um grupos de estudantes a viver em uma casa de farinha desativada e a estudar de baixo de um pé de juazeiro. Chamou duas amigas e foi atrás de saber se aquilo era verdade. Estudou no Cipó durante um semestre, no ano seguinte, juntou mais quatro amigos e foram para Boa Vista, uma comunidade mais próxima. Ali, Seu Zé Alfredo liderava um grupo que estudava em barracas improvisadas, o PRECE se multiplicava. 4 anos mais tarde, Juliana, Gláubia, Nívea, Wesley e Weverton levaram o PRECE para o Miguá. Professora de Biologia da Escola Estadual de Educação Profissionalizante de Pentecoste, Juliana acredita que a exposição itinerante ajuda a comunidade a compreender que aquela história não acontece apenas ali, mas que é muito maior.

Aldenora com a mãe, Dona Maria Luíza
Aldenora conta que cresceu como pessoa junto com a EPC. A timidez já não aparece como uma barreira; do envolvimento com o grupo de estudo, a mais recente universitária, passou a atuar na associação e na igreja. Aldenora se constrói na vivência em comunidade. Dona Maria Luíza, a mãe de Aldenora, não cansa de afirmar o orgulho da caçula de dez filhos. A companhia da filha não será mais tão constante, agora, só aos fins de semana, mas afirma ser preciso lidar com a saudade e com a apreensão da filha sozinha na capital. A aposentada trabalhou 20 anos na antiga escola municipal, aquele espaço sempre esteve presente na vida da família. Por duas décadas, foi onde Dona Maria colheu parte do sustento da família. Ali, Aldenora conquistou o direito de crer em si mesma.

Espaço de fotos da EPC Miguá
A exposição PRECE 20 anos fica até dia 17/10, na EPC Miguá Terra.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

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Pentecoste recebe a exposição PRECE 20 anos

Chega-se a Pentecoste pela CE 162, rodovia cearense que corta a cidade ao meio. Entre o corte, avista-se um buraco profundo. Do lado esquerdo, ao longe, se vislumbra um tapete azulado a lembrar o mundo d’água que não está mais ali. A água se afastou da estrada e deixou a parede do açude livre para brotar um verde desbotado que em nada lembra a fartura. Ao direcionar a cabeça para o outro lado da rodovia, se ver uma imensidão verde, com pontos circulares de concreto. O que os moradores identificam como “o maior centro de pesquisa em aquicultura da América Latina”, mantido pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), padece com a fuga das águas. Na manhã de sábado (26), a equipe do Memorial do PRECE, ao chegar à beira do buraco, desviou o caminho por uma pequena estrada de terra, em direção ao centro de pesquisa, onde funciona a Escola Popular Cooperativa (EPC) de Pentecoste.
 
Abertura da mostra
À noite, estudantes da EPC Pentecoste e a equipe do Memorial do PRECE, como parte da abertura da exposição itinerante “PRECE 20 anos”, compartilharam as histórias que constituem àquele grupo. Nesse encontro, à frente da sala onde a EPC tem abrigo e à beira de um pequeno lago povoado por pirarucus, sob um céu ocupado por estrelas, se fez uma roda de conversa, onde as histórias se entrelaçaram na construção de uma memória em comum. Tony Ramos, professor da Escola de Educação Profissionalizante de Pentecoste, e Shirlene Castro, professora de geografia, contaram sobre a ida de um grupo de estudantes, moradores da sede do município, à comunidade de Cipó, na zona rural. Anos mais tarde, o grupo criou um núcleo do PRECE no centro de Pentecoste. Tony começou a contar a história, Shirlene o completou e foi seguida por outro e mais outro e mais outro. As falas se entrelaçaram e com interpretações diversas sobre as experiências vividas se construiu a narrativa contada àquela noite.

Roda de Conversa com a EPC Xixá
À tarde, um grupo de estudantes da EPC Xixá chegou à EPC Pentecoste. Como Xixá não pôde receber a mostra, os estudantes decidiram participar do espaço na EPC Pentecoste. O grupo, após visitar a exposição, se reuniu com a equipe do Memorial do PRECE para compartilhar suas histórias de vida. Lauriston Barroso, membro da EPC Pentecoste e estudante de matemática, contou ao grupo como chegou àquele espaço e porque, após precisar se afastar para trabalhar, ao ingressar em uma universidade retornou para ajudar os que continuavam ali. Lauriston diz que foi “o único da sua casa que escapou”, entre os seis irmãos, foi o único a buscar na educação o seu destino. Na sua narrativa, fala de gratidão, afeto e compromisso. Xixá e Pentecoste compartilharam suas histórias de encontros e transformações individuais.

Montagem da exposição

A Exposição “PRECE 20 anos” fica até sexta-feira (02), na EPC Pentecoste.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

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EPC Ombreira recebe exposição itinerante do PRECE

“Pentecoste é a terra do peixe”. O viajante que sai de Fortaleza com destino à cidade depara-se com um avantajado peixe a reivindicar o título à beira do açude. Se atravessar a estrada que corta o que deveria ser uma imensidão d’água chega ao outro lado do açude Pereira de Miranda, para melhor dizer, à ombreira esquerda. Um forasteiro desavisado pode chegar e sair da comunidade sem saber que ali é o bairro São Pedro. Os bairros que se interligam pela estrada são as ombreiras, a direita e a esquerda. A ombreira direita, residência da estátua do peixe ostentação, não ostenta a nomeação. Se indagar sobre a localidade da Ombreira é desnecessário dizer se é a esquerda ou a direita, o informante logo o direcionará à esquerda do açude. Na entrada da comunidade de São Pedro, um prédio gradeado, à margem do açude, chama a atenção. Ali, no início dos anos 2000, era lugar de desgosto dos moradores do bairro. Abandonado e sujo o local só causava aborrecimentos à população. Certo dia, um menino de dez anos, o Carlinhos, viu uma movimentação estranha e aproximou-se, até hoje permanece ali.

Roda de conversa durante a abertura da
Exposição PRECE 20 anos, em Ombreira
Na noite de sábado (12), a Escola Popular Cooperativa (EPC) Ombreira realizou a abertura da exposição itinerante PRECE 20 anos. Com uma roda de conversa sobre a escola popular e a sua relação com a comunidade, a equipe do Memorial do PRECE e os moradores do bairro compartilharam suas experiências com o PRECE. Dona Berenice conta que a ocupação do local foi uma graça de Deus. O grupo que passou a usar o local foi a resposta às suas orações. O prédio pertence ao Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), desativado recebeu usos diversos, durante o dia, era lugar de brincadeiras das crianças, à noite, segundo os moradores, era local de uso de drogas. “Era uma barulheira”, continua Berenice, “sábado e domingo ninguém dormia. Menino, é muito ruim acordar com zoada, ave maria!”, desabafa agradecida aos céus pela chegada do PRECE.
Dona Berenice conversa com a estudante Alzira Andrade
Em 2004, a EPC Pentecoste, a primeira multiplicação do PRECE, completou dois anos, quando Ana Maria Andrade, que cresceu na comunidade de Ombreira, sugeriu a criação de uma escola popular naquele prédio que tanto incomodava seus antigos vizinhos. Com o direito de uso autorizado, o grupo organizou um mutirão e iniciaram a limpeza e ocupação do local. Carlos Augusto, precista e estudante de Engenharia de Energias, conta que se aproximou da EPC neste dia e nunca mais parou de participar das atividades propostas naquele lugar. Antes, ali era espaço de brincadeiras e, à noite, os pais proibiam que as crianças lá ficassem, porque havia “babau”. Carlinhos, como todos o chamam, relembra quando Dona Rosinha, que mora em uma região mais afastada do bairro, caminhava até a EPC chamando as crianças que encontrava pelo caminho para irem estudar. A história do menino se uniu a história daquele grupo de estudantes, “a história do PRECE é a nossa história. Eu vivenciei o PRECE”. Como um dos coordenadores da EPC, ele defende que compartilhar a história do movimento precista é um primeiro passo para buscar a transformação da comunidade. Carlos diz que o PRECE é algo que faz parte de quem ele é, “me identifico não só como EPC Ombreira, mas como PRECE”.

O precista Carlos Augusto, Carlinhos
Estudantes da EPC Pentecoste participaram da roda de conversa. Tony Ramos, professor da Escola de Educação Profissionalizante de Pentecoste, conta que participou da limpeza do local e rir satisfeito ao confirmar que literalmente derramou suor para a organização daquele grupo. Magelo Braga, que já foi morador do bairro, ao se identificar fala o nome da sua avó. “Esse menino é filho da Lúcia?”, após breve pausa reflexiva, espantou-se Dona Berenice.

Exposição PRECE 20 anos
A Exposição PRECE 20 anos fica até sexta-feira, 18, na EPC Ombreira.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

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Paramoti recebe a exposição PRECE 20 anos

Neste sábado (15), a exposição “PRECE: 20 anos de Protagonismo, cooperação e solidariedade” chegou a Escola Popular Cooperativa (EPC) Paramoti, o sexto núcleo precista a receber a mostra. Pela primeira vez, a exposição foi até a sede de um município. Com mais de 400 km, a cidade, de acordo com estimativa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2014, possuía 11 mil e 533 moradores, concentrados na sede e divididos nas comunidades rurais. Sábado à noite, a praça principal se enche com quiosques de lanches e os bancos povoam-se com pessoas de todas as idades. Perto dali, em frente ao fórum, próxima a igreja matriz, do hospital e da escola de ensino médio Tomé Gomes dos Santos, a EPC Paramoti, construída a partir do trabalho comunitário, torna-se mais um espaço a ser ocupado pela população.


Exposição Prece 20 anos
Na noite de sábado, paralelo às guloseimas da praça e à seresta no bairro Arrudas, a equipe do Memorial do PRECE realizou uma roda de conversa sobre a necessidade de compartilhar histórias. Cada participante roteirizou uma parte breve de sua vida, relataram as experiências que os levaram ao PRECE e as que o fazem persistir nesse movimento. O advogado Adriano Santos foi um dos primeiros estudantes a buscar o PRECE, no início dos 2000, em Cipó. Foram três tentativas até formar um grupo com o mesmo propósito. Na primeira vez, a distância o desestimulou; na segunda tentativa, quis enfrentar o obstáculo, iria de bicicleta à comunidade Cipó, em Pentecoste, mas a mãe o proibiu e mandado de mãe tem que ser obedecido. Em 2005, se fez um grupo e Cipó se tornou realidade. Com o tempo, as aprovações no vestibular começaram a acontecer. Atual coordenador de finanças da EPC Paramoti, Adriano acredita que o PRECE permite “você ir além do que sonhou um dia”, é um processo de descoberta do mundo e de si. É um meio de se inconformar.

Adriano Santos(à esquerda), precista
Vladimir Gomes, estudante de engenharia química, conta que naquele espaço, mesmo antes das paredes estarem erguidas, foi acolhido e estimulado a apostar em si. “Aqui - conta - tive vontade de ser igual ao o outro”. No PRECE, Vladimir aprendeu a olhar o outro com admiração e a buscar construir algo coletivamente. Estar em grupo e tornar-se apoio a um companheiro são motivações corriqueiras apresentadas nas falas. O prédio da EPC foi construído graças a união do grupo em torno deste propósito. Antes da construção da sede da escola, reuniam-se em escolas, na casa paroquial e na praça dos namorados (atrapalharam alguns encontros). Com o prédio erguido, a dificuldade é chegar à comunidade dispersa na pequena cidade. O aglomerado citadino aparece como dificultador da mobilização comunitária.

Vladimir Gomes, estudante

Na manhã de domingo, a equipe do Memorial faria uma roda de conversa com a comunidade. Algumas mães, rapidamente,  antes de irem cuidar do almoço, compareceram, mas não estavam com muito tempo para conversas. Como forma de estreitar os laços comunitários, a EPC desenvolve algumas ações, uma delas é um documentário sobre a história da cidade. O lançamento do filme, ainda sem data, deve chegar aos paramotienses como um lembrar sobre o que constitui o que eles são. Os estudantes são unânimes em afirmar que se a comunidade não for à EPC, eles vão até a população, voltam às praças com filme e tudo.

A exposição "PRECE 20 anos" ficará até o dia 28 de agosto, em Paramoti.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

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A história do PRECE é contada em Muquém

Em Pentecoste (mas já pertinho de Paramoti), ao redor de uma capela cor de rosa; de uma escola amarela e de um campo de várzea, pigmentado por um verde fusco, se movem algumas dezenas de famílias a procura de permanecer no canto do mundo que escolheram para viver. O rio Canindé corta o lugar em duas bandas, mas, apesar de ter aparecido no início deste ano, as águas já não estão lá. O rio é lembrança. Naquele chão, por onde corriam peixes, as cabras procuram pasto e abrigo do sol.  Aos sábados à tarde, a igreja rosada acolhe as reuniões da associação de moradores. A comunidade se ergue entre orações, louvores e a discussão coletiva. No estar junto se faz a política, sem filiações de nenhuma nuance, a terra e o desejo de melhor viver transformam vizinhos em companheiros.  Em 2004, Muquém viu sua rotina alterada: dois estudantes, Evilene e Luciano, filhos de trabalhadores enraizados naquelas paragens, pegaram a estrada carroçal e seguiram a trilha de uma história que se espalhava entre a estigmatizada aridez daquele sertão. 11 anos depois, nesse sábado (08), a exposição “PRECE: 20 anos de protagonismo, cooperação e solidariedade” chegou à Escola Popular Cooperativa (EPC) Muquém.

Precistas responderam: o que representa o PRECE?
A roda de conversa com os membros da EPC iniciou com o compartilhamento das histórias de vida. O outro e o que o motiva a estar ali foi o ponto de partida da troca entre a equipe do memorial do PRECE e os estudantes e militantes da EPC. Lúcia, moradora da comunidade, logo que avistou a chegada dos visitantes foi ao encontro de conhece-los. Informada do que aconteceria àquela tarde, muniu-se de panfletos e saiu a espalha-los entre os amigos que viver ali lhe proporcionou. Fez questão de participar de todos os espaços e, ao perceber que a ajuda era solicitada, se prontificou a colaborar com a exposição durante esta semana. Alexsandro Silva, 18 anos, não mora ali. Primo de Mairla, precista e estudante de geografia, Alexsandro percebeu na experiência da prima um exemplo a seguir. “São os exemplos que motivam. A Mairla, por exemplo, nossa família não tem condições, jamais teria condições, até porque não tem ninguém na nossa família formado, a Mairla é a primeira [a ingressar em uma universidade]. Foi por isso que eu estou aqui, pelo exemplo dela, a superação, a conquista dela”. Movido por exemplos, Alexsandro, morador da comunidade de Carrapato, começou a participar da EPC em 2013. Aprovado, este ano, para o curso à distância de gestão de finanças, pretende continuar a colaborar com a troca de conhecimentos e de exemplos. O estudante acredita que a mostra itinerante ajuda a comunidade a conhecer a história do PRECE e ao perceber a importância do projeto tornar-se incentivadora. A exposição seria uma forma de propagar os exemplos.

Da direita para a esquerda: Mairla e Alexsandro
Depois das 4 da tarde, terminou a reunião da associação comunitária e alguns moradores foram à escola vê o que acontecia. Entre eles estava Anairton, agricultor  e pai de 5 filhos, três deles são precistas e universitários, “o caminho dos outros dois é chegar lá”. Para o agricultor, o PRECE ajudou a mudar a história da sua família, sem o projeto os filhos não teriam condições de ingressar em uma universidade: “porque pra filho de pobre fica difícil”. Nunca precisou cobrar nada dos filhos, “eles não querem perder um dia de aula”. O mais velho, Anailton, foi o primeiro a ir por essa vereda, depois o seguiram Nayane e Bruno. Anairton diz que, agora, ele e a comunidade esperam o retorno do trabalho desses jovens.  A dona de casa Neide, conta que não pôde estudar e que pouco sabe desse conhecimento dos livros, mas uma coisa lhe é certa: estudar é o caminho para buscar o crescimento da comunidade e sempre diz à filha, “ estude minha filha, estude”.

O agricultor Anairton
A exposição "PRECE 20 anos" ficará, em Muquém, até o dia 14 de agosto.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

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Providência recebe exposição itinerante do PRECE

Se seguir a estrada de terra que parte de Pentecoste, passa por Capivara e Cipó rumo a Irapuá e outras comunidades rurais, o viajante chega a uma bifurcação marcada com um abrigo de ônibus. Ali, passa a linha com destino a Maranguape, mas a parada, oficialmente demarcada pela proteção de concreto, só povoa-se com vento e poeira. O local parece ter a sina de representar escolhas de destinos. Quem anda por aquelas bandas, pode optar em parar e, protegido do sol, esperar o ônibus rumo a serra de Maranguape. Ou, pode ainda, insistir e percorrer um dos possíveis caminhos. As escolhas são múltiplas e continuar por uma das duas direções, apontadas pelas estradas de barro vermelho, multiplica os lugares de chegada. Em julho, o Memorial do PRECE escolheu a estrada à esquerda e aportou com a exposição “PRECE: 20 anos de protagonismo, cooperação e solidariedade” em Boa Vista. Quinze dias depois, voltou ao ponto de decisão (a destoante e concreta parada de ônibus) e rumou a caminho de Providência, sede do distrito de Matias, em Pentecoste. Na noite de sexta-feira (31), apesar do adiantado da hora, a chegada da equipe não passou despercebida: janelas abriram-se e cabeças emergiram no silêncio da praça. Sem muita demora, timidamente, um ou outro morador aproximou-se e, entre trocas de informações, surgiram os primeiros diálogos.

Entrada de Providência, sede do distrito de Matias
Sábado (01) à noite, a abertura da mostra, aconteceu no mesmo horário da missa e do culto. Como sede do distrito, a localidade possui o privilégio de ter missas e cultos todas as semanas. Mesmo com as portas abertas, a Escola Popular Cooperativa (EPC) Providência não era o destino do movimento nas ruas àquela noite. Como de costume, as igrejas lotaram-se e a rotina obedeceu a sua ordem. A exposição não ficou à deriva, aos poucos, precistas com seus familiares e moradores, que aceitaram, naquela noite, não cumprir os ritos religiosos, circulavam entre as fotografias, banners e outros objetos. A roda de conversa, que compõe o ritual de abertura da mostra, seguiu com o diálogo sobre a importância de estar em coletivo.

Roda de discussão
Integrante do primeiro grupo do PRECE na comunidade, a precista Gardênia Macedo, professora e estudante de pedagogia, percebe a exposição como um momento de contar a história do PRECE e da EPC para os novos estudantes, mas também, como um momento dos mais antigos repensarem sobre as suas atuações. No início, as reuniões aconteciam no salão paroquial da igreja e era preciso ir até Cipó para estudar. Com o tempo, o grupo fortaleceu-se e construíram a EPC Providência. Gardênia diz ser raros os momentos dedicados a compartilhar essa memória. Vitória Régia, 17 anos, estudante do 3º ano do ensino médio, quando criança, participou do projeto Estudante Cooperativo, mas diz que desconhecia, até aquele sábado, a história e a forma do PRECE se organizar. Colaboradora da montagem da exposição, Vitória levou a amiga Leudiane, 16, estudante do 1º ano do ensino médio, para conhecer àquela história. A estudante conta que nunca participou de nenhuma atividade do PRECE, mas diz perceber ali uma forma de conquistar o sonho de continuar com seus estudos.

As estudantes Leudiane e Vitória
Hoje, a EPC Providência está sem célula de estudos ativa. Flávio Martins, precista que busca ingressar em uma universidade pública, tem o auxílio da célula de estudos da EPC Cipó. Flávio iniciará uma escolinha de futebol como meio de mobilizar novos estudantes para a EPC, busca inspiração no início da história e da prática precista, que teve como aliadas as escolinhas de futebol. Carla Firmiano, precista e estudante de direito, acredita que o memorial faz um resgate de uma parte da história da própria comunidade. “É interessante quando você vê a história do outro, de pessoas que você conhece. Nossa história é fruto das histórias de outros, esse prédio, as atividades desenvolvidas aqui são frutos do trabalho coletivo do PRECE”.

Confira um trecho da conversa com a Carla:



A exposição "PRECE 20 anos" ficará até sexta-feira (07), em Providência.