Há 21 anos, moradores de comunidades rurais de Pentecoste se
uniram na construção de uma história coletiva. Sete estudantes e o professor
universitário Manoel Andrade são cantados como os primeiros precistas.
Construiu-se não um grupo, mas uma família. Os vínculos se sustentam em uma base
fraterna e a objetividade cede espaço à subjetividade dos afetos. Orismar
Barroso, um dos sete primeiros estudantes, há seis meses combatia um câncer de
estômago. Domingo (15), a sua presença tornou-se uma lembrança.
Orismar com a sua escudeira de todos os dias |
Demonstrações de carinho povoaram as Redes Sociais. “No PRECE, foi dentre nós o que mais nos
conheceu, foram muitas histórias de vidas gravadas
por ele no Memorial
do PRECE, mas talvez, tenha sido a história de vida dele a que mais
nos impactou”, escreveu o Professor Tony Ramos. Como um bom contador de histórias,
Orismar preocupava-se com a memória do PRECE, acreditava que as vivências deviam
ser compartilhadas para possibilitarem novas experiências. Integrante da equipe
do Memorial do PRECE, em 2011, participou da coleta de mais de uma centena de
histórias de vida. Gravou em vídeos as histórias que ouviu, mas também contou a
sua.
Orismar era o locutor oficial da Estudantina |
“As coisas boas parecem
que a gente recebe e ficam na mente da gente”. Disse ao retirar da memória, pelas
orelhas, o menino que foi em Parnaíba, a comunidade rural que apresentava como “bucólica
e agradável”. Com as peraltices de infância
a guiar sua narrativa, confessou:
[...] Menino levado, se
fazia caçador. Criado solto pelos terreiros seguia às meninices reinantes.
Munido com uma baladeira, unia-se ao bando de atiradores. Os passarinhos atingidos
serviriam de alimento. “Quando eu acertava, eu tinha uma certa vontade de matar
a arvorezinha (sic), a rolinha ou outro passarozinho(sic) lá típico da nossa
região. E quando eu o matava, quando chegava lá e via o bichim todo cortado da
pedra, me dava uma pena muito grande, então, eu logo... Eu parei com essa
prática, parei mesmo, e não dá pra mim matar passarinho, eu tenho pena de matar
os bichinho, não matava realmente... Matei alguns, mas isso me cortava o
coração”. Orismar continua a correr atrás de passarinhos. Sem baladeiras em
punho, persegue o canto e o desenho feito com o movimento das asas em voo.
[...]*
Orismar se fazia de sonhos e os compartilhava com quem
aceitasse imaginar um outro jeito de ser e de estar no mundo. “Lembro que
quando trabalhávamos juntos, ele nunca deixava de ir no meu cantinho e me dar
uma boa tarde com a sua caneca verde na mão! Não teve uma tarde que não fosse”,
postou Jéssica Araújo, estudante da UFC. Cada frase publicada nas redes
relembra um gesto distinto de gentileza e amizade. “Foram muitos momentos que
vivi com o nosso querido Orismar, e rememorando alguns agora, percebi
que sempre que ele estava por perto tudo era alegria, cooperação, descontração
e muito trabalho em equipe. Sempre disposto a aprender e a ensinar.” Contou a
jornalista Caroline Avendaño. Orismar compartilhava poesia, sua forma de
ensinar era literária. Suas palavras que
fingiam-se de rebuscadas nos enchia de alegria e ressaltava a simplicidade e
honestidade dos seus gestos.
Em 2014, em parceria com a UFC e a SEDUC, a UECE realizou
atividades extensionistas sobre Aprendizagem Cooperativa. Como facilitador,
Orismar compartilhou um pouco de si com os estudantes. Na terça-feira, após ver
a movimentação nas redes, Mayamia Figueiredo, do curso de pedagogia, procurou a
equipe do PRECE para compreender o que havia acontecido e demonstrar a sua consternação.
“A história dele transformou a minha visão de mundo”, disse ao se despedir. A
psicóloga Marília Studart, lembra que Orismar atraia-se pela generosidade, como
um semeador fraterno. “Imagino que nesse mundo que divulga tantas más noticias,
já tenha chegado o tempo de registrarmos as histórias de amor, bondade e
esperança! Imagino que o céu deva estar cheio de gente que não teve
oportunidade de contar suas histórias de bem, quem sabe Orismar não continue a
gravar memórias celestiais que um dia assistiremos juntos no grande colo de
Deus Pai! Registra tudo por aí, meu amigo, que um dia quero assistir!”, dialoga
conosco e com ele.
“A sensação de perder alguém tão cedo é tão marcante em
nossas vidas, só é confortada por sabermos que você, Orismar, foi um bom homem,
um bom amigo, esposo e pai. Vamos ficar com saudades de todas as histórias e de
todos os momentos partilhados, mas com a certeza de que fomos privilegiados por
desfrutar de sua presença”, compartilha Aurenir Luz a traduzir, mesmo sem
saber, o que todos sentimos.
Aniversário surpresa do Orismar, em 2013 |
*Trecho do Perfil elaborado pelo Memorial do PRECE sobre
Orismar Barroso