Por Orismar Barroso
Fazendo uma leitura do contexto sócio histórico de Cipó e comunidades vizinhas, pertencentes ao distrito de Matias, município de Pentecoste/CE, a partir da década de 80 até o advento do PRECE, em 94, evidencia-se alguns questionamentos: qual era a situação sócio educacional? Quem eram os protagonistas? Como as comunidades se organizavam? Neste ínterim, que fatos se concatenaram com o surgimento do PRECE?
Averiguando o contexto vivenciado pelas comunidades na década de 80, vamos identificar no aspecto social, Cipó e as demais, confundiam-se em termos de tranquilidade, algo que contribuía com o senso de bem-estar das pessoas. Sua gente vivia das atividades típicas do sertão: agricultura, pesca, cuidar de animais, pequenos comércios, tudo a partir da lógica da subsistência. As localidades eram desprovidas de serviços basilares, como por exemplo: atendimento a saúde, comunicação, energia elétrica, transporte eficiente, dentre outros descasos.
A conjuntura educacional, era outro dilema, para não dizer um caos, pois, o contexto era caracterizado pela alta taxa de analfabetismo e com poucas possibilidades de mudanças. Os estudos, no ambiente familiar, era algo despretensioso que não fazia parte nos sonhos dos jovens, nem de seus pais. Assim, a grande maioria dos estudantes ficavam “enganchados” no fundamental incompleto, aliás, as poucas escolas que haviam nas comunidades, em grande parte, eram de sala única, multisseriadas e ofereciam, no máximo, até a 4ª série. Os poucos que resistiam, faziam o ensino médio, destes, um ou outro conseguia chegar à graduação que era algo raríssimo.
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Escola Municipal na comunidade de Várzea Comprida, Pentecoste/CE |
O nível de organização das comunidades era outro caso a parte, na qual faltavam os elementos básicos de organização institucional, inclusive, muitas associações comunitárias da região, na época, funcionavam alicerçadas na vontade de fazer acontecer de uns poucos, contudo, muitas delas eram destituídas de legalidade jurídica. Os associados não imaginavam a força que tinham e nem os líderes sabiam como encarar isso, eram poucas, as pessoas que assumiam o papel de liderança dentro das comunidades. Diante disso, em meados dos anos 80, começa a acontecer uma mudança no modus operandi dentro das comunidades, identificado nas associações, a partir de iniciativas mais arrojadas, de caráter mais interativo, reivindicatório e mobilizador. O novo momento percebido na região, em especial, Cipó e comunidades próximas, tinha à frente o jovem líder Adriano Sergio Andrade, um obstinado e assíduo batalhador que nasceu e cresceu na região. Adriano, dentre alguns feitos, conseguiu instituir, uma das mais organizadas associações na época que foi a Associação de Moradores e Pequenos Agricultores Rurais das Comunidades Capivara e Cipó (ACOMPPARCC), onde implementou uma série de projetos significativos e estratégicos para a região.
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Adriano Andrade na inauguração da casa de farinha |
A ACOMPPARCC, na liderança de Adriano, conseguiu diversos benefícios como: distribuição de filtros, apoio aos produtores, inclusive, foi neste período que de maneira organizada conseguiu recursos para manter creches, algo, que beneficiou centenas de crianças filhos dos agricultores. Nesse período, precisamente, em 1991, o jovem líder empenhou-se na aquisição de uma casa de farinha, junto ao estado, através da Secretaria de Indústria e Comércio, alcançado depois de muita luta. Ressalto a alegria da conquista, inaugurada em novembro de 1991, com muita celebração, tendo a participação da população, políticos locais e da primeira dama do estado da época Patrícia Saboya.
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Patrícia Saboya na inauguração da casa de farinha, Cipó, Pentecoste/CE |
Quis o destino que nos anos subsequentes, a cultura da mandioca tivesse uma queda significativa em sua produção, um fato, que deixou a casa de farinha praticamente desativada. Nessa condição, o espaço foi utilizado para realização do curso de datilografia, tendo a participação de dezenas de jovens. Na sequência, no ano de 1994, deixou de vez a condição de subutilizada, quando foi iniciado o PRECE (ainda com o nome Projeto Coração de Estudante), ocupada pelos 7 pioneiros do movimento e assim, sucessivamente com a adesão de outros estudantes da região.
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Os irmãos Adriano e Manoel Andrade |
Outro fato, que se percebe é que dentre as muitas iniciativas e ações, junto às comunidades é que Adriano sempre buscou trabalhar em parceria com seu irmão Manoel Andrade, havia por parte dos irmãos, um incentivo mútuo em prol do trabalho comunitário. A exemplo, cito os memoráveis campeonatos de futebol no início dos anos 90, que contava com a adesão de toda a região, algo contagiante, que dentre os pontos positivos do evento estava a mensagem, que ia além da festa desportiva, difundida na interação social e na promoção da paz. Outra iniciativa importante deles foi o apoio concedido aos professores de Pentecoste, na defesa dos interesses da categoria. Logo se percebe a contribuição deles nas temáticas educacionais do município.
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Movimento em Defesa da Escola Pública em 2008 - Pentecoste/CE |
Mediante a tudo, não tem como não ressaltar as mudanças originadas nesse período, década de 80 e 90, com ênfase nas mobilizações e no aperfeiçoamento do senso de liderança, salutar para conquistas importantes, em especial, no âmbito da educação. Na linha do tempo, vamos constatar que as ações implementadas naquele período, foram caracterizadas por líderes mais hábeis, resolutos, inquietos com a situação vigente que contribuiu com a configuração de um novo momento, na práxis organizacional das comunidades. Foi na junção dos fatos que surgiu uma empreitada social, que mais tarde desaguaria no advento do Prece, em 1994. Hoje, essa gene de inquietude e ações de contribuição social contínua, salta aos olhos, retratado nas transformações significantes. As associações comunitárias ganharam legitimidade jurídica, é comum gente de origem popular graduado, os protagonistas já se multiplicaram, legitimado nas ações de contribuição social. Portanto, ao olhar para aquela região, acreditamos que essa realidade persistirá por muito tempo, comprometida com o senso cívico, sustentado na vitalidade da cooperação e na solidariedade.
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